domingo, 13 de março de 2011

Amor Moderno: Ah, ser homem, velho e solteiro
Amy Cohen, em Nova York

Obs:. A imagem faz parter da crônica

Manhattan pode contar com uma escassez de apartamentos a custo acessível e locais para estacionar, mas aparentemente não enfrenta falta de velhas viúvas e divorciadas atraentes, muitas das quais dispostas a sair com meu pai recém-enviuvado. Sempre que o visitava em seu apartamento no Upper East Side, não era incomum sermos interrompidos pelo porteiro ligando para dizer: "Uma senhora acabou de deixar um bolo aqui na portaria". "O que devo fazer com todas estas mulheres?" ele costumava dizer. "Eu me sinto mal, mas são tantas!"
Para se ajustar à sua nova vida social, meu pai de 76 anos, cujas roupas velhas estavam manchadas da mistura do Bloody Mary de seus coquetéis noturnos, comprou um novo guarda-roupa de suéteres de gola careca e calças cáqui. As mulheres com quem ele saía freqüentemente exibiam cabelos sedosos, arrumados sob um pequeno chapéu. Elas eram todas muito simpáticas e ativas, mas como meu pai costumava dizer após cada uma: "Ela não é sua mãe".
Minhas amigas e eu nos espantávamos com sua agenda social. "Dá para acreditar?" Eu disse para minha melhor amiga. "É o quarto encontro dele nesta semana. Todas nós temos que nos reencarnar como um judeu velho com apartamento no Upper East Side."

"Com certeza", ela disse. "Ninguém deixa bolos na minha portaria."

"Amy", meu pai explicava, "estas senhoras ficam tão aliviadas por eu conseguir lembrar seus nomes. Eu ganho pontos adicionais simplesmente por conseguir caminhar até o restaurante sem ajuda".

Eu tinha 35 anos e tinha sido recentemente abandonada por um homem com quem esperava casar, assim, quando meu pai não estava acompanhando uma divorciada ao cinema ou a bisavó de alguém a um concerto de Haydn, ele freqüentemente podia ser visto comigo, sua filha solitária. Na verdade, ele e eu agora passávamos tanto tempo juntos que quando as pessoas me perguntavam se estava saindo com alguém, eu freqüentemente respondia: "Aparentemente, estou saindo com meu pai".

Por toda nossa vida nós fomos distantes, emocional e fisicamente. Ele viajava a negócios pelo mundo e durante minha infância ele às vezes passava meses fora. Quando ele retornava, eu saltava ao redor dele tentando chamar sua atenção, o presenteando com livros que escrevi com títulos como "Veja! Veja! Estou Aqui!" e "Meu Nome é Amy", ilustrados com desenhos de mim mesma.

Agora que ambos estávamos solteiros, finalmente estávamos próximos. E apesar de entender que meu pai precisava de alguém (quando minha mãe adoeceu, ele não sabia nem mesmo pedir comida chinesa pelo telefone ou fritar um ovo), eu me vi cada vez mais nervosa diante da perspectiva de perdê-lo de novo. Mas eu sabia que ele ficaria mais feliz com um novo amor na sua vida. Então eu o animei a seguir em frente, da mesma forma que ele fez comigo.

"Você gosta dela?" eu costumava perguntar ansiosamente após um encontro. "Vai sair com ela de novo?"

"Eu não sei. Ela é simpática, mas só saímos juntos duas vezes e ela está me perguntando se eu quero acompanhá-la no bar mitzvah do sobrinho. Já que estamos falando do assunto, não é hora de você começar a sair de novo?"

"Eu não estou pronta."

"Ela não está pronta." Ele balançou a cabeça. "Você é uma moça bonita e inteligente. Saia de casa. Porque se não o fizer, se torna uma espécie de síndrome, você não acha?"

"Uma síndrome?" Aquilo me lembrou da vez em que ele me disse que se não limpasse a cama do gato, os gases me deixariam cega.

"Como uma obsessão", ele disse. "É hora."

"Vou pensar a respeito."

Mas o fato de não estar pronta não impediu amigas bem-intencionadas e parentes de tentarem arrumar algo para mim. Um dia minha irmã me telefonou após deixar o filho no campo de tênis para me dizer que tinha uma boa notícia: o irmão de uma amiga trabalhava com um sujeito cuja esposa conhecia alguém que disse estar disposto a sair em um encontro às escuras comigo. Não era ótimo?

"Tudo bem", eu disse. "Eu vou."

"Sério?"

"Sim. Como quiser."

Quando depois visitei meu pai, ele olhou para mim, radiante, até não conseguir conter mais. "Sua irmã me disse que você tem um encontro", ele disse.

"As notícias correm depressa", eu disse. "Sim. Na próxima segunda."

"A Águia pousou!"

"Pai, é só um jantar."

"Você não vê?", disse ele. "Um encontro leva a outro e mais outro."

Ele supôs que por ser perseguido por hordas de bons partidos, eu seria perseguida por hordas de bons partidos.

Mas as hordas continuaram apenas em busca dele. Não muito depois, ele e eu fomos a uma palestra dada em um centro comunitário no Upper East Side. A grande e lenta multidão era composta principalmente de homens e mulheres usando blusas de lã em uma temperatura de 27º C. Para o público de mais de 65 anos, aquilo era equivalente a Woodstock. E apesar de não haver amor livre, havia comida de graça, o que provocou um congestionamento na saída por pessoas colocando sanduíches em suas bolsas e tomando o suco de uva gratuito. Nós não tínhamos como nos mover quando ouvimos alguém gritar "Murray!" do outro lado do salão.

Nós nos voltamos para ver uma senhora idosa vindo em nossa direção - cada passo seguido por uma breve, mas clara, pausa. Ela vestia um casaco vermelho elegante com detalhes dourados e tinha pernas tão finas que pareciam cabos de vassoura espetados nos sapatos Ferragamo com bico de camurça.

"Oi, Murray", disse ela com voz rouca. Pela forma como ela estava se esforçando para manter a compostura, eu pude perceber que ela tinha saído com meu pai e que ele nunca telefonou de novo para ela. Eu conhecia aquele olhar, o olhar que dizia: "Estou arrasada, mas vou fingir não me importar que você não me quis".

Enquanto ela olhava para ele, implorando com os olhos, eu percebi que ela torcia para que ele lhe desse uma nova oportunidade.

Meu pai a chamou pelo nome, mas pela forma como disse - de forma afetuosa, mas sem paixão - eu soube que ela não tinha nenhuma chance.

Eu senti pena dela. Ela fez todas as coisas certas, se casou com a pessoa certa, tudo para que isto nunca acontecesse. E apesar da diferença de 40 anos entre aquela mulher e eu, a biologia nos deixou igualmente vulneráveis. Ele a deixou viúva, como a muitas mulheres da idade dela, e me deixou ansiosa para encontrar alguém, já que espero ter um bebê nos próximos poucos anos. Eu presumi que na adolescência ela pensou, da mesma forma que eu, que ela tinha uma vantagem. E agora estávamos reduzidas a isto, com medo e desnorteadas, sem saber se culpávamos as estrelas ou a nós mesmas.

"Ela parecia ser simpática", eu disse enquanto saíamos. "Tem certeza que não deseja sair com ela de novo?"

"Amy, ela é uma pessoa adorável, mas não para mim."

"Eu acho que você devia lhe dar uma chance", eu disse e, ao fazê-lo, percebi que esperava, de alguma forma mágica, que se pudesse persuadi-lo a lhe dar outra chance, eu também poderia ter uma. O simples pensar nisto me deixou irritada com meu pai.

"Você só se importa com aparência", eu disse.

Ele deu de ombros. "Ei, eu não escolhi isto. Eu preferia ter sua mãe. Você não quer que eu fique sozinho pelo resto da minha vida. Quer?" Eu não queria.

Mas também não queria que ficássemos sozinhos pelo restante de nossas vidas. Mas as coisas pareciam consideravelmente mais promissoras para ele do que para mim. Entre meus recentes encontros estava um sujeito que me disse: "Não faço sexo há seis semanas e isto está me deixando agitado", um homem que fingia ser cego para poder levar seu cachorro no metrô e um banqueiro de investimento que me perguntou no jantar com quantos homens eu já tinha dormido e se eu tinha um vibrador.

Pelo menos eu ainda tinha meu pai. Ou era o que eu pensava. Até um telefonema da minha irmã, que, após pedir desculpas por ter dado meu telefone para um sujeito sem me consultar, me perguntou sem rodeios: "O que você acha da namorada do papai?"

Eu engoli seco. "A namorada dele?" Eu sabia que cedo ou tarde isto ocorreria, mas me senti repentinamente abandonada, como se ele tivesse se mudado sem deixar o novo endereço.

"Ele não contou que tem uma namorada?" perguntou minha irmã. "Vocês passam tanto tempo juntos."

"Sim, ele me disse que saiu algumas vezes com uma mulher em especial. Mas não, ele não a chamou de namorada." Eu disse isto com uma casualidade acentuada, mas na verdade eu estava magoada. Por que ele não me confidenciou?

Minha irmã fez um som, não bem uma gargalhada. "É tão engraçado. Desde sua grande separação, ele costuma me dizer: 'Eu espero que a Amy encontre alguém primeiro. Eu espero que a Amy encontre alguém primeiro'. Talvez seja por isso que ele não tenha lhe contado."

"Talvez", eu disse.

No dia seguinte eu encontrei meu pai na Saks para ajudá-lo a comprar um novo terno.

"Qual é o problema?" ele perguntou. "Você parece incomodada com algo."

Minha mente estava à toda. "Nada."

Tentando puxar conversa, eu lhe disse sobre o sujeito que me perguntou se eu tinha um vibrador. "Eu disse que se ele quisesse tanto um vibrador devia ter o seu próprio."

"Bem, eu acho que você devia ter se levantado, agarrado o sujeito pelo casaco e ter dito: 'Você pode conversar com outras mulheres jovens desta forma, mas não gosto deste tipo de comportamento. Boa noite, senhor!'"

Aparentemente meu pai pensou que meu encontro tinha ocorrido em 1953.

"O que estou dizendo", ele prosseguiu, "é que você não pode deixar isto acontecer porque precisa de alguém que seja bom para você e cuide de você. As coisas não foram fáceis para você ultimamente. Mas lembre, qualquer jovem seria muito afortunado em ter você. Nunca se esqueça disto, ok?"

"Ok", eu disse. Mas não conseguia tirar a idéia da nova namorada dele da minha cabeça.

Antes de morrer, minha mãe me disse que queria que eu tratasse bem quem quer que meu pai trouxesse para nossa família. Ela mal sabia que em sua ausência meu pai e eu encontraríamos um ao outro. Apesar de me sentir afortunada pelo nosso novo relacionamento, eu também me senti culpada por termos nos aproximado apenas por causa da morte dela. Então me ocorreu que também fosse como meu pai se sentia em relação a encontrar alguém primeiro: afortunado, mas com sentimento de culpa.

Eu queria lhe dizer que estava tudo bem, que não tinha que se preocupar comigo ou se sentir culpado, que talvez algum dia eu encontraria alguém ou não. A questão era que estava feliz por ele, independente de podermos ou não manter o que tínhamos. E como se mostrou, meu pai conseguiu ficar ao lado de nós duas, sua nova namorada e eu. Agora, anos depois, ela e eu trocamos receitas de bolo.

Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2007/06/17/ult574u7525.jhtm

Nenhum comentário: